Felizmente mais doida

Bruno Costa

4 setembro 2022Última atualização: 4 setembro 2022

A prova de que estou recuperando a saúde mental, é que estou cada minuto mais permissiva: eu me permito mais liberdade e mais experiências. E aceito o acaso. Anseio pelo que ainda não experimentei. Maior espaço psíquico. Estou felizmente mais doida. E minha ignorância aumenta. A diferença entre o doido e o não doido é que o não doido não diz nem faz as coisas que pensa.

Clarice Lispector foi uma grande contista, jornalista e escritora do século XX. Nascida na Ucrânia, ela veio com a família para o Brasil ainda criança.

Sempre muito estudiosa, Clarice começou a escrever aos 10 anos e, aos 22, publicou seu primeiro livro: Perto do coração selvagem.

O trecho citado faz parte do seu último romance, “Um sopro de vida”. Escrito às vésperas de sua morte, o livro foi de fato um sopro da vida da autora, que precisava escrever para se sentir viva.Nas primeiras páginas, o narrador já anuncia: Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Na história, ele é um homem aflito que criou uma personagem, Angela Pralini. Usando-a como um espelho de si mesmo, o narrador expõe seus próprios desejos inalcançados.Sabendo de todo o contexto por trás da obra, é possível inferir um pensamento de Clarice: para ela, ficar mais doida seria um sinal de saúde mental.

Vivemos tentando nos encaixar nas expectativas dos outros, mas será que no final da vida isso fará alguma diferença?

É provável que você se arrependa de não ter feito uma declaração de amor. Talvez ter deixado de aproveitar aquela festa, por não saber dançar, também entre na sua lista de lamentos.Agora, quando nada mais restar, dificilmente veremos alguém se arrepender por ter se jogado na pista de dança ou por ter se arriscado em um amor não correspondido.

Em vez de preocupar-se em parecer normal, procure descobrir qual a dose de loucura que faz sentido para a sua vida.

Nas palavras da própria Clarice, não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

STORIES